HISTÓRIA DE PORTUGAL
a minha aldeia
"porque eu sou do tamanho do que vejo
e não do tamanho da minha altura". (alberto caeiro)
Situada entre Leiria e Fátima, Soutocico é uma aldeia igual a tantas outras existentes no Paìs. Por isso resolvi escrever a sua história.

CONSTRUÇÃO
As suas casas eram feitas com pedra, saibro e cal. Geralmente construidas em terrenos impróprios para agricultura. Dispunham de três quartos, uma cozinha com lareira para confecçionar os alimentos, uma sala e uma varanda virada para um páteo. Por baixo, existia uma adega, um lagar e uma dispensa onde se guardavam os cereais, as carnes e o azeite.
Ao lado da casa existiam currais de gado, donde provinha parte da carne para alimentação.
Dispunham ainda de um terreno (serrado) para alguma agricultura e uma eira que servia para secar os cereais. Ao lado desta havia uma casota com um forno onde se cozia a broa todas as semanas.

uma eira
As eiras eram locais importantes não só para o agricultor mas para toda a população. O agricultor colocava ali quase tudo o que colhia do campo durante o ano. Lenha, cereais para secarem, erva, bagaceira, etc.

Eram também os locais onde se faziam as diversões dos mais novos. Escamisadas, bailes, namoricos, jogos diversos, fumava-se o primeiro cigarro feito da barba de milho, etc.
As familias eram numerosas. Geralmente os casais tinham entre seis e dez filhos. Até 1957, não existia luz eléctrica. Vivia-se á luz da candeia ou dum candeeiro a petróleo. Muitas vezes era o lume da lareira a única claridade existente.
O sentir do poeta era o sentir do povo;

Naceu na cama,
de ferros torcidos,
cresceu na lama
dos vencidos.

Nasceu do alcool,
amigo dos trapos.
cresceu descalço
vestiu farrapos....

RELIGIÃO
A população era cristã e praticava a religião a cem por cento. Tudo o que o pároco dissesse era sagrado e quem discordasse, era apontado do altar. Sempre ouve no Soutocico ideias mais vanguardistas o que originava que este lugar da freguesia fosse apelidado de comunista.
Quando havia baile, geralmente ao ar livre, passado pouco tempo, após o seu inicio, aparecia a GNR e o baile tinha de terminar.
Em quase todos os lares após a ceia era rezado o terço e todos os meses se ia á confissão e comunhão.
As melhores peças de carne, quando se matava o porco, era enviado para o padre, mesmo com as carências que existiam para alimentar tantas bocas lá em casa.
passagem da imagem de nossa senhora, por volta de 1950

Na quaresma um grupo de jovens ia pedir para as almas de casa em casa. Muitas vezes para outros lugares que não o deles e entoavam cânticos em louvor das almas.

a religião estava acima de tudo


AS CRIANÇAS
As crianças eram baptizadas logo á nascença e aos cinco anos de idade iam para a catequese. O ponto alto para os pais, era a chamada "comunhão solene". Havia um periodo em que o padre,  dizia do altar a todas as crianças, para pedirem perdão de joelhos aos pais. Nessa altura toda a gente chorava, ao ouvirem-se aquelas vozes infantis, pedirem perdão.
Até aos onze anos práticamente todas andavam descalças. Andavam sempre com os pés feridos. Davam "atopadas" nas pedras e para parar o sangue, colocavam teias de aranha para este parar de correr. Como os páteos das casas eram cobertos de mato (carrascos e tojos) os seus pés andavam sempre com espinhos. Criavam e ganhavam pús ( esgrumeiros )
Na escola o professor dava aulas ás quatro classes ao mesmo tempo. Colocava a quarta a ensinar os alunos da primeira, os da segunda a fazer uma redacção e ele fazia um ditado aos da terceira classe. O silêncio era total e quem se portasse mal imediatamente era expulso da sala, ou levava umas reguadas ou chapadas. A escola era dividida ao meio. Num lado havia a escola dos rapazes e do outro a das raparigas.As crianças tinham de estar em casa ao toque das Ave-Marias. Caso o não fizessem seria castigadas pelo pai. Geralmente o castigo eram umas bofetadas.

As roupas e o calçado passavam de pais para filhos e de irmãos para irmãos. Nada se deitava fora.
Recebia-se roupa e calçado em segunda mão que era enviado por familiares que estavam emigrados, em França ou África. Quando se recebia tal prenda era uma alegria enorme. O passatempo era jogar ao peão, porca, verdasca, colocar estrelas no ar, etc.
Haviam as lengalengas que nós diziamos sem saber o que estavamos a dizer. Exemplo disso.- Tem lendeas! (soutocico) matas matas! (martinela), com quê, com quê? (freixial) com um picão, com um picão! (arrabal). Os sinos tinham um som diferente e nós achavamos graça ao dizermos estas lengalengas.
SERRAÇÃO DAS VELHAS
As pessoas mais complicadas ou que tinham a mania de importantes era-lhes feita a serração. Embora se designasse por Serração das Velhas, era ás moças namoradeiras ou casadoiras que os versos ofensivos se destinavam. Geralmente entoavam uma quadra, mas longe das janelas da casa, não fosse a pessoa ofendida despejar da janela liquidos pouco próprios. Depois de lida a quadra, que era inventada na altura, os rapazes batiam com força numa lata para fazer barulho.

PADARIAS
Em 1900, já havia na aldeia vinte fornos de cozer pão. Terá sido esta a primeira indústria existente. Cozido a lenha, era transportado e comercializado para as aldeias vizinhas em ceirões em cima de burras. Este pão deu muito nome à aldeia do Soutocico.
Havia homens que vinham de aldeias vizinhas a pé ao Soutocico comprar pão
Na década de 60, lembro-me que havia a padaria da Emilia Cordeiro, herdeira da Teresa Vieirinha, no Canto dos Cordeiros, da ti Laurinda, na Nogueira e da Conceição Brites junto ao largo da Capela.

uma das principais padarias funcionava neste local
O VINHO
O vinho fazia parte da vida das pessoas. Havia a necessidade,, de se beber vinho para suportar o esforço que era exigido. Os homens trabalhavam do nascer ao pôr do Sol. Não havia dinheiro para comprar outro género de bebidas. Era o vinho que fazia os homens suportarem todo aquele esforço. A alimentação era demasiado pobre. O vinho fazia bem ás doenças. Quando as crianças estavam doentes, ministravam-se-lhes logo pela manhã sopas de vinho quente. A aldeia vivia do vinho que era fácilmente vendido servindo a sua venda para pagar as dividas na "venda" mercearia.
As mulheres, quando os homens iam para o campo, passavm o dia ou a rezar o terço, ou na adega a beber uns copos. Como o primeiro era para aquecer a goela, geralmente acontecia o seguinte diálogo;-Comadre, tome lá um copo! esta após beber dizia:- Credo comadre melhor me soubesse a morte, dê cá outro a ver se me sabe melhor!
Nas vindimas os patrões mandavam cantar as mulheres, para que não comessem uvas. Só se parava para almoçar quando tivessem a dorna cheia para o boieiro não estar à espera.
As melhores uvas eram penduradas na sala da casa, em pregos que ali estavam para o efeito e iam-se comendo durante muitos meses.
Toda a noite se apertava a prensa e se de manhã se vissem alguns bagos por derreter, fazia-se uma "lambujadela." (fazer as barbas ao pé das uvas).

descarga de uvas para o lagar
Nos lagares, após a vindima a igreja pedia vinho para os santos. Se era para o Santo da aldeia davam-se 20 litros se era para o da freguesia dava-se metade ou dizia-se para o trazerem lá para casa que o sustentavam durante todo o ano.
Quem não tinha lagares sugeitava-se ao ditado; " Quem não tiver lagar nem bois ou vindima antes ou depois" Como o dinheiro escasseava, as pessoas andavam a merecer.


PLANTAÇÃO DA VINHA
Sempre ouve muita vinha na aldeia. Com o aumento da população havia necessidade de aumentar a produção vinicola. Para isso os homens iam para o campo e para as serras romper os terrenos manualmente á força de enxadas. Esses grupos de três homens obedeciam á voz do que estava na ponta e atiravam as enxadas conforme eram mandados. Se ele dizia para a RABELHA, era para traz, se dizia CHAVELHA, era para a frente. Havia outros mandos mas o melhor era quando dizia:- Hó! pró BORRACHO, aí todos paravam para beber uma pinga.
A Curvachia foi toda rota á força das enxadas, no entanto os inquilinos dessas vinhas novas ficavam a pagar uma renda á Quinta de S. Venâncio que era o proprietário. Muitos agricultores da aldeia tinham ali vinhas plantadas. Estas chegaram a passar de pais para filhos como se fossem deles. A quinta de S. Venâncio nunca retirou qualquer vinha aos agricultores, desde que esta fosse amanhada.
Também as encostas eram rotas criando os chamados "mangos" vedados pelos muros de pedra "murouços "que ali faziam depois de arrancadas. Predominava a vinha e o olival.

exemplo de Mangos e Mourouços numa encosta
A JORNA
Era no largo da capela que os homens se juntavam ao Domingo á espera de arranjar patrão. Estes procuravam sempre os mais fortes, ficando os outros quase sempre com uma lágrima no olho. Sua esposa teria que continuar a comprar fiado na venda.

AS VENDAS (lojas, mercearias)
Se dum lado existia a parte referente á mercearia, havia uma pequene porta que dava passagem para outro lado onde estava a tasca. O proprietário passava o tempo a correr dum lado para o outro, mas sempre á espreita não fosse roubado por alguem mais esperto.
loja Varatojo



Um dia um cliente pediu um cálice de aguardente e apercebendo-se que o proprietário teve que ir atender uma senhora á parte da mercearia e vendo ali a garrafa á mão, aproveitou para beber mais um copo. Quando foi para pagar foi-lhe dito que eram dez escudos.- dez escudos exclama o cliente, então não são cinco cada cálice? Diz-lhe o proprietário:- eu ouvi ahhh.!
Á frente das lojas havia um espaço onde os homens passavam o domingo a jogar chinquilho. Geralmente era ali que havia um rádio. Os homens e rapazes iam para ali ouvir o relado do futebol aos domingos. Um quarto de hora antes de começar o futebol ouviam-se marchas militares.
Na aldeia havia quatro lojas e a inveja era muita o que levava as mulhres a esconderem-se ao passarem por outras lojas para não serem ofendidas pelos proprietários destas. As dívidas (fiado) existiam em mais do que numa venda.
CORTE DO MATO
paveias de mato
Na serra de quatro em quatro anos, o mato era cortado. Tivesse pedra ou não os homens cortavam o mato para colocar nos páteos e nos currais do gado. Era cortado á enxada e cada carrada de mato era composta de cento e vinte paveias.
O seu transporte em carros de bois, fazia com que a serra ficasse coberta de pó. Havia filas de carros de bois a descer a serra com os homens pendurados nas carradas, fazendo equilibrio para que estas não se virassem. Depois de moido nos locais próprios este já estrume (esterco) aproveitava-se para adubar os campos. Os homens sentiam orgulho por virem cobertos de pó. Era sinal de que tinham trabalhado muito e bem. A transpiração e o pó davam origem a lama colada no corpo. Os moscardos aproveitavam para morder os braços e o pescoço. O corte era feito no mês de julho, periodo de muito calor. Era por isso que os homens iam para a serra, por volta das cinco horas da manhã. Muitas vezes perdiam-se e deitavam-se sobre um casaco velho á espera que começasse a clarear o dia. Era um trabalho, como todos, deveras árduo. Levava-se um pequeno barril com água o que acabava muito cedo, tendo muitas vezes que se beber das poças que existiam nas fragas, muitas vezes cheias de bichos mortos, que tambem ali iam para beber.

BRUXAS E LOBISOMENS
Derivado do excesso de alcool e da escassez de alimentos, até á decada de sessente havia muitas histórias de bruxas e de lobisomens. Dizia-se que estes últimos desciam as ladeiras em forna de dorna. Que as bruxas chupavam o sangue ás crianças e estas acabavam por falecer.
Devido á não existencia de luz eléctrica as pessoas viviam no medo e quando chegava a noite, ao irem para casa nunca olhavam para traz, porque diziam que quem o fizessem levavam uma chapada na cara.

AS PARTEIRAS
Todas as mulheres tinham os filhos em casa. Como todos os casais tinham muitos filhos as parteiras estavam de serviço permanentemente. Podiam ser chamadas a qualquer momento do dia ou da noite. Era á luz dum candeeiro que nasciam os filhos. Naquele tempo ninguém ia para a maternidade do Hospital. Isso era para gente fina! Havia várias parteiras na aldeia.

MATA BICHO
No periodo da primeira grande guerra e á falta de dinheiro para medicamentos o governo aconselhou a população a beber um cálice de aguardente logo pela manhã. A sua finalidade era matar o Vírus (bicho)que grassava no País. Todos os homens pela manhã colocavam um figo seco no carapuço e iam á loja beber um cálice de aguardente e comer o respectivo figo. Este hábito matinal passou a ser designado por "mata-bicho".
A CULTURA
Em 1914, surge a primeira actividade cultural. É formada a primeira tuna, composta por nove elementos. Naquela altura foi grande atracção. Já havia a filarmónica do Arrabal, sede da Freguesia, onde os músicos actuavam. Era dado o primeiro passo para o que viria a seguir.
primeira tuna criada no Soutocico


TEATRO
O grupo Teatro Amador do Soutocico, foi fundado em 1922. A Tuna era composta pelos próprios fundadores.
O guarda roupa era emprestado.
A receita revertia para os pobres da Freguesia.
Peças levadas a efeito; A Greve das Costureirinhas, O Escravo, Ressonar sem Dormir, A Feiticeira, etc.
Era encenada três vezes por ano; Carnaval, Páscoa e Natal.
grupo teatro do Soutocico 1925-da esqª para ditª-de cima para baixo-zé santo miranta, joaquim ivo-pirloto, manel selada,gracinda,júlia santos,maria santa, ti lindica, manel mariana,zarunza,bogalho.-filha sr afonso, camponês, alzira salada, zé gaspar, ti lice do gancha, brasile, emilia cordeiro, zé pucilio, manel bagaço, pai do - ti vininha-zé gaio, pai do zé bernardino, manel marcelino, ti carma, joãozico, sr. afonso, mãe da carminda, antonio calçada, teresa bailareco, vale stª margarida, júlia amor.
A População local só podia assistir ao teatro quando não houvesse ninguém de fora da localidade.
Da cidade de Leiria vinham sempre excursões para assistir ao teatro. Essas pessoas tinham primazia em relação ao povo do Soutocico.

LUZ ELÉCTRICA
Em 1957, era inaugurada a luz elécrtica. Foi feita uma marcha e um grupo de rapazes e raparigas desfilou perante as entidades oficiais. O autor da letra e da música, Afonso Diniz Vieira, homem importante da aldeia, era já maestro da filarmónica, e dizia assim;

abram alas, abram alas
gente da localidade
que agora vai passando
quem nos serve a electricidade.....

O povo maravilhado, quando a luz foi ligada exclamava:- Agora até as noites são dias!
Afonso Diniz Vieira, foi músico e maestro da filarmónica do Arrabal, maestro fundador da filarmónica do Soutocico e da Caranguejeira, responsável pela tuna do Soutocico, ensaiador do teatro do Soutocico, compositor e poeta, representante do registo civil e dos correios, etc.

Afonso Diniz Vieira, 1º á esqª na fila de traz
A FONTE E O POUSADOURO
Ninguém se lembra de alguma vez a fonte ter secado. Sempre foi o local onde as mulheres iam buscar água para as lides domésticas. A água era transportada em grandes cantaros de barro, que colocavam á cabeça e subiam a ladeira com muita dificuldade. Faziam fila junto á fonte. Toda a população ali ía buscar água. Os cantaros eram depois colocados nas cantareiras que se situavam nas cozinhas das casas. Era o local em que os jovens aproveitavam para conversar e namorar.

o pousadouro


 O pousadouro era onde as mulheres pousavam os feixes que traziam das fazendas. Era ali que descansavam o corpo para depois subirem a ladeira até á casa. Também servia para se prenderem os animais (burros e cavalos). Muitos peregrinos que iam para Fátima, era ali que descansavam. Ao chegar ao lugar costumavam dizer;- Já falta pouco para chegarmos a Fátima. Já chegamos á terra das picotas, (designação dada ao Soutocico).

uma picota
Quase todos os terrenos tinham um poço e para tirar a água do mesmo existia a picota. As pessoas passavam horas a ela agarradas a tirar água dos poços para regar.

ENTERRO DO BACALHAU
O Enterro do Bacalhau é uma sátira á igreja. Na quaresma não se podia comer carne, a não ser quem adquirisse a Bula. Como a maioria da população não tinha dinheiro para a pagar, viam-se obrigados a comer peixe (bacalhau).
No fim da Quaresma a população deixava de comer bacalhau e voltava a comer carne.
Esta peça de teatro de rua foi levada a efeito pela primeira vez em 1938. Foi tal o êxito que passou a ser o acontecimento mais importante da aldeia.
O regime de Salazar a pedido da igreja, viria a proibir a sua continuidade na altura. Mais tarde com o 25 de Abril voltou a ser representada.
FILARMÓNICA
Face ao mau entendimento entre o então paroco da freguesia e o contrameste da filarmónica do Arrabal, este natural do Soutocico, levou a que este último fosse expulso da filarmónica. Por solariedade os outros executantes do Soutocico, abandonaram tambem a filarmónica do Arrabal.
foto tirada em 1947
Como o maestro era igualmente do Soutocico, um grupo de homens da terra pensou em criar uma filarmónica.
Após muitas lutas, a igreja não via com bons olhos tal situação, na pessoa do padre da freguesia, foi possivel a sua criação, sendo os seus Estatutos aprovados em 20 de Junho de 1946.
Primeiro surgiu o hino á bandeira, mais tarde o hino da filarmónica.

INDUSTRIA E COMERCIO
Até á decada de sessenta só havia na aldeia algumas padarias e as chamadas vendas ou lojas.
A primeira indústria a criar emprego foi em casa do Fernando Alfaiate e confecçionavam-se Samarras. Mais tarde nasce a Unilopes que iria empregar algumas centenas de pessoas. A fábrica do Hidromel surge quase de seguida e passa a empregar centena e meia de pessoas. A Tosel foi a mais importante. Esta fábrica que se destinava á confecção de artigos elécrticos empregava mais de quatrocentas pessoas. Mais tarde surgiu a Unifato que empregava mais de uma centena de operários.
Havia ainda outras indústrias tipo familiares e de pequena importância.
De repente havia na aldeia cerca de mil empregos. Só não trabalhava quem não queria.

A PÁSCOA
O Domingo de Páscoa era o único dia do ano em que se comiam amendoas. A ansiedade com a vinda do padre dar o folar era enorme. A sua vinda impunha respeito. No dia anterior cortava-se alecrim e rosmaninho para colocar no fundo das escadas, por onde o padre passava, dando algum aroma agradável ao local.
Quando o padre entrava com aquela enorme batina preta cheia de botões e uma cruz nas mãos, nós prostados de joelhos, beijavamos a cruz a tremer. Depois o padre ia levantar o dinheiro (folar) que minha mãe colocava num pires em cima da comoda e ao sair atirava algumas amêndoas para o chão. Nós, não nos mexiamos mas a vontade de as apanhar era enorme. Só quando ele já tinha saído é que nós nos atiravamos para o chão na ânsia de apanhar o maior número possivel. Ali não havia democracia, quem mais apanhasse mais comia. Geralmente os mais pequenos ficavam a chorar. Como o padre tinha colocado um pequeno pacote delas no prato onde tinha colhido o dinheiro, minha mãe aproveitava para dar algumas aos mais novos.